Gravando em Santo Amaro, que purificação

Posted 00:13 by Imperial in
Chegamos na sexta-feira a noite e a ansiedade era notada entre os envolvidos no trabalho afinal, no dia seguinte às 10h da manhã seriamos recebidos pela matriarca dos Veloso, em sua casa.No horário combinado estávamos lá e fomos muitíssimo bem recebidos. Nos deparamos frente a frente com Dona Canô, elá estava linda em seu quarto, à nossa espera. Mas pra ela não era o suficiente, ela exigia que só começaria a gravação quando estivesse com brinco nas orelhas. Pedido atendido e começamos as gravações...
Impressionante como Canô contagia a todos com a sua força e vontade de viver. Lúcida, gente valer lembrar que ela tem 101 anos de vida e diga-se de passagem com muita saúde, a única dificuldade é que ela está com a audição um pouco afetada e tinhamos que falar um pouco alto. Isso me incomodava, pois a minha voz é grave e pra mim era como se eu tivesse gritando ela, como se minha voz fosse ferir aqueles ouvidos tão sensíveis. Logo que eu anunciei a pergunta pra saber como ela e Edith tinham se conhecido, um sorriso largo e emocionado tomou conta do momento, e ela falava com cada gesto, expressão que foi nos emocionando.
Eu estava extremamente envolvido naquela viagem que ela me conduzia, contando a sua trajetória com Edith. Confesso que de tamanha emoção e com o script de perguntas na mão eu me perdi completamente, travei, não sabia o que falar. Os olhos dela estão lacrimejados de emoção e os meus lutando contra isso. Ainda bem que Juliana Coutinho percebeu e conduziu outra pergunta até que eu conseguisse me concentrar novamente.

Na saída do quarto de Canô, no corredor estreito e bem enfeitado com santos e fotos da família reunida, além de flores estava outra tão sensível e linda como. Estou falando de Elza Oliveira, irmã de Dona Edith do prato. Essa ai me conquistou com o primeiro olhar encabulado, com um jeito meigo ao dizer que poderia não saber responder.


Imagina! Ela deu show, provando que a genética foi feliz nas famílias santamarenses. Numa voz suave e discreta, Elza foi perdendo a vergonha das câmeras, eleganterrima como estava, e olhe que ela nem sabia das gravações viu. Mas foi falagrada também num momento de vaidade penteando os cabelos pro vídeo, e ficou lindissima.
Em seguida, nos deparamos com o Secretario de Cultura da Cidade, Rodrigo Veloso. Falando assim, parece um homem extremamente sério né? Mas quem disse que ele não é? Pelo que soubemos e ele pôde mostrar, está sendo desenvolvido em Santo Amaro um excelente trabalho de resgate à cultura local, como a festa do Bembé, dia 13 de maio. Mas esse homem sério foi a nossa diversão e falou de Edith de uma maneira especial, recordando momentos divertidos da dama do samba. Logo entrevistamos a escritora Mabel Veloso que tinha uma propriedade pra falar sobre Edith e sua importância pra disseminação do samba de roda. Sempre maravilhosa nas respostas, conduzia-nos a outras perguntas.
Nos despedimos da casa e recebemos a maravilhosa bênção de Dona Canô, só vivendo pra saber o quanto é significativo. Nessa passagem por lá, levamos Gueu, do Clã dos Veloso pra nos acompanhar pela cidade. Fomos até a casa da historiadora, pintora e escritora Zilda Paim. Lá conversamos sobre a importância de Edith para a cultura do recôncavo e a história do toque no prato. Da casa dela fomos ao cemitério de Santo Amaro fazer algumas imagens. Lá fomos abençoados por oxum, numa chuva maravilhosa que interrompeu algumas imagens, mas logo nos acomodamos e ai usamos a chuva num tom poético pro documentário. Afinal, tinha mesmo de chuver pra sermos abençoados, Edith era filha de Oxum e não deixaria passar assim. Marcamos gravação a tarde com Carol Barreto, mas devido a chuva nos desencontramos e ela estava sem celular, o que dificultou a comunicação. Em seguida fomos pro hotel descansar um pouco. Pouco mesmo, por que em pouco tempo Gueu estava lá pra nos levar prum barzinho na entrada da cidade.
Que farra o que? Não somos de ferro e precisávamos dar uma descansada.


Descansar, essa palavra não existe quando você está envolvido num trabalho, ai como tudo conspira a favor, um rapaz que estava no bar tinha nos visto no cemitério gravando e a noite resolveu falar comigo e se propôs a ajudar. Ele é historiador e poeta, ai pronto!!! O papo no bar inteiro ou pelo menos em duas mesas, era o documentário, era Dona Edith, eram lembranças que iam enchendo de gosto o nosso projeto... Voltamos pro hotel, afinal o domingo (dia das mães) era dia de mais gravações em Santo Amaro.


Ah, finalmente às 8h30 da manhã, o recepcionista do hotel deu o recado que Carol havia deixado na tarde do dia anterior e encontramos ela na casa de Elza. Encontramos Ninho, neto de criação de D. Edith, e me chamou atenção uma fala dele segurando uma foto dela: "ah! vocês não imaginam o quanto eu sinto saudade dessa velhinha", eu sentia que vinha mais emoção por ai. Conversamos com ele e eu muito a vontade, afinal eu estava na casa de tia Elza e da minha saudosa Edith do prato, sentei no chão e ele numa cadeira gravou o seu depoimento com riqueza de detalhes em falas importantíssimas, como o pedido feito por Edith que ele anunciasse a sua morte ao som da música Luzes da Ribalta.


Em seguida seguimos com Carol Barreto e recusamos o convite de comer uma maniçoba preparada pela avó dela... Ah essa terá volta, não aceito ter negado esse convite. Mas tinhamos que ver nossas mães né? Afinal era dia delas e dava pra voltar pra pelos menos dar aquele abraço carinhoso e agradecer a Deus por elas ainda estarem ao nosso lado. Carol fez uma coleção de moda em homenagem a Edith, sendo apresentada em Santo Amaro, Salvador e Recife. Ela falou de Edith como símbolo da cultura Santamarense em falas únicas, como ela. Carol foi e está sendo uma pessoa importantissima na construção desse trabalho. Aliás, eu não posso deixar de agradecer a essas pessoas até aqui citadas, elas nem podem imaginar o quanto estão nos realizando com cada palavra, cada gesto, fazendo desse sonho real. Chegou a nossa hora e voltamos pra Salvador, com certeza com outra bagagem cultural. Santo Amaro respira cultura, transforma pensamentos, faz você ter vontade de viver, de fazer o novo, de fazer diferente. E com certeza é com esse amor que está sendo construído o primeiro documentário sobre a dama do samba. Obrigado meu Deus, por nos permitir esse projeto, nos permitir conhecer pessoas tão maravilhosas e que jamais sairão dos nossos corações. Confesso que passaria o dia aqui tentando descrever cada momento vivido, mas é impossível... Ou talvez isso seja impresso no vídeo documentário Edith do Prato: vida e obra que não se quebram. Quase esqueci, nas idas à casa de Elza ela não nos deixava sair de mãos vazias, sempre um docinho, uma palavra de carinho e viciamos em dar aquele beijo e um abraço gostoso nela. Mas no sábado ela nos surpreendeu com uma foto de Edith a cada um de nós, sem palavras mesmo viu...


Se eu já tinha certeza do tema proposto pro documentário, depois desse final de semana, fico convencido de que não haveria outra proposta pra eu concluir o curso e estar apto a exercer a profissão de jornalista se não essa.


Obrigado Dona Edith, por fazer uma história de vida e obra tão importantes a ponto de Deus me permitir registrá-las.

Adilton Imperial


4 comment(s) to... “Gravando em Santo Amaro, que purificação”

4 comentários:

Anônimo disse...

Abrir esta página e deparar-me com as fotos e comentários de Adilton é de profunda alegria e entusiasmo, pois acompanhei um pouco dos primeiros passos dessa jornada, das idéias iniciais até sua plena efetivação,ver como seu trabalho foi ganhando corpo, amadurecendo, conquistando cosistência teórica e metodológica. Além do rigor acadêmico buscado por Adilton e Juliana, o documentário repercutiu em engrandecimento humano a ambos, nítido no envolvimento descrito neste blog. Tenho certeza que este documento de grande importância para a preservação do patrimônio cultural da Bahía será apenas o incio de muitos outros projetos...

Marcos Passos



CANGAIA DE JEGUE disse...

Poxa. òtimas palavras...tenho certeza q vai poder demostrar toda emoção vivida por esta mulher neste doc. comprovando sua competencia e empenho. Parabens pelo tema. Espero que faça muito sucesso. tudo de melhor q vc merece...[Liderico]



Luciana Silva disse...

Cada palavra de Adilton sobre o documentário faz crescer a expectativa de vê-lo pronto. Certamente será um importante registro da cultura baiana. Sucesso!



Unknown disse...

Belíssimo documentário, muito feliz em poder participar do dia em que o mesmo foi exibido! Parabéns pelo profissionalismo!!! =)